VOLTAR-SE À VIDA INTERIOR: É ABRIR-SE À REALIZAÇÃO DA PESSOA COMO TOTALIDADE

O imaginário da atual cultura impulsionado pelo interesse em fazer fluir uma economia de mercado próspera tem conduzido a vida das pessoas a se tornarem mais suscetíveis a mudanças profundas no comportamento e nas escolhas de paradigmas que muitas vezes tem esvaziado e neutralizadas a capacidade de realização das mesmas.

Em outros termos significa um choque no equilíbrio psicoafetivo, social, familiar como também na dimensão da relação com a transcendência. Diante desse pressuposto urge da parte dos educadores, pais e orientadores de consciência motivar os educandos a fazer a experiência do silêncio, da meditação e do encontro consigo mesmo a fim de possibilitar aos mesmos a capacidade de discernir ante as provocações do mercado com publicidade e propaganda, e, muitas vezes de forma subliminar a fim de levar a pessoa a consumir sem a consciência daquilo que é necessário para sua vida.

Se por um lado, o mercado nos induz a buscar o consumo em altas doses de coisas supérfluas, por outro, o sujeito pode consumir e se beneficiar, sim, das ofertas do mesmo, no entanto precisa ter presente que é necessário se capacitar para um controle dos impulsos e educar-se para uma liberdade consciente e madura, ou seja, saber o que consumir, quando e por que. Nesse aspecto trata-se de formar uma personalidade madura que sabe viver dentro de um contexto societário que continuamente proporciona novidades para o consumo, entretanto da parte do sujeito supõe-se sempre a virtude da prudência, do controle e a consciência daquilo que enaltece o ser da pessoa e o que a esvazia fazendo-a prescindir do essencial da vida.

Cumpre dizer que nada é tão simples e fácil quando se decide “...ir para dentro de si mesmo e deixar “aflorar-se” à consciência as ondas inovadoras”. A maior parte das pessoas prefere permanecer em seu próprio exterior, resistindo em acolher as mensagens interiores, distraindo-se na agitação e se divertindo procurando calar os estados da alma que contrariariam seus hábitos ou seus desejos”. (MONBOURQUETTE, Jean – Da autoestima à individuação – Paulinas/SP 2008 p.134).

No processo de formação dos educandos em nossos dias faz-se necessário da parte dos responsáveis terem a devida e mais adequada metodologia para a condução das novas gerações inseridas em tempos de pluralismos ideológicos seja de natureza política e/ou econômica, aliás, que muitas vezes não possuem seriedade e a devida clareza para contribuir e construir um mundo novo, sensato e fraterno, e, muito menos em envolvimer as crianças e jovens ao encontro com a Transcendência.

É interessante a frase de um pensador francês quando diz: “...ser sábio é ‘recolher-se’ e fixar-se no lugar do qual tudo jorra; é o ato mais santo, é amor, sabedoria, união”. (Henri Le Saux (1)).

O homem contemporâneo possui expressiva dificuldade em cultivar a quietude e o silêncio para num segundo momento se transportar para a contemplação. Esse comportamento de distração, característica de nossa cultura do barulho tem influenciado profundamente as novas gerações, e, este é um motivo pelo qual existe um estranhamento para apoderar-se do próprio “eu” e as consequências se fazem sentir, ou seja, muitas pessoas hoje são tristes, depressivas e com significativos distúrbios psicossomáticos como hiperatividade, a falta de concentração, principalmente as crianças e os jovens, pois no decorrer de sua formação lhes falta o cultivo da dimensão interior. Percebe-se que já na família, como também na escola não se oportuniza espaço para fazer a experiência do silêncio e da meditação, ora, isso leva o educando, ou o filho (a) a nunca se encontrar consigo mesmo. Entretanto, isso é fundamental na formação do caráter e de uma personalidade sadia e equilibrada e relativamente bem estruturada, e mais: conduz o sujeito para o desenvolvimento da espiritualidade que complementa o ser da pessoa. Por quê? “...a viagem espiritual consiste em voltarmos ao começo de nós mesmos, isto é, à experiência do ser” (Richard Moss (2)).

ATENÇÃO LEITOR! EDUCAÇÃO E INFORMAÇÃO CRUA NÃO SÃO COMMODITIES QUE SE COMPRA, VENDE-SE COMO NEGÓCIO

Vive-se em um tempo onde educar se tornou simplesmente um caminho para conquistar o sucesso e adquirir habilidade de conhecimento como também para ter status. Ora, essa visão de educação muito em voga na atualidade, simplesmente está mais preocupada em informar do que ensinar e a aprender como pensar. A arte de pensar na educação hodierna passou para segundo plano. Tornou-se algo que se compra, se vende como qualquer outro negócio. Observe caro leitor! “...desde que o computador se tornou um instrumento da mente freudiana, tem sido quase impossível não pensar que sabemos mais sobre nós mesmos ou sobre os outros resgatando informações reprimidas ou esquecidas”. (FREEMAN, Laurence, Perder para encontrar – A experiência transformadora da meditação – 2ª Ed/ Vozes – 2009 p.301). E o autor segue dizendo:

“...há um grau de verdade, [no entanto], isso não é toda a verdade. O conhecimento requer informação [sim] e nela cresce nos primeiros estágios da consciência. Mas depois,[...] precisamos aprender outro e simultâneo caminho do conhecimento, que esquece ou renuncia à informação [...] e esse é o caminho da meditação”.

É este o paradoxo da atualidade quando se percebe nas novas gerações, ressalvando sempre as exceções, verdadeira repulsa para com a arte e o gosto pela leitura. Busca-se informação e conhecimento na internet, nas redes sociais e contenta-se com isso como se fosse verdade última. Que futuro se pode esperar desta geração de cristal? É claro, ressalvando sempre as exceções.

Outro aspecto preocupante na formação do caráter e da personalidade das novas gerações refere-se à dimensão da espiritualidade. Curiosamente a mesma se tornou uma commodity que oferece diferentes modalidades emergindo diversos grupos e cursos segundo o gosto do cliente e apresentados de maneira tão atraente que muitos querem fazer tais cursos para se sentirem completos e plenos. Ora, segundo Freeman, “...o entusiasmo e a erudição de muitas espiritualidades da “Nova Era” não deveriam ser ofuscados pela sua passagem pelo gnosticismo ou comercialismo”. (FREEMAN, 2009 p.302).

É preciso ter consciência que para se chegar a uma educação que tenha em vista a totalidade do ser humano é preciso ter em consideração três etapas, e, estas, têm em conta um imaginário tríplice: a dimensão cognitiva (razão) , do biológico (corporeidade) e da espiritualidade (espírito). Prescindir de qualquer um dos três “ipso facto” a educação e a formação do homem torna-se falha como tem consequências de natureza psicossomática. A esta altura é interessante retomar a dimensão da estima do self. Por quê? “...[em diversas ocasiões] o ego satisfaz-se com a rotina das necessidades da vida física e de seus hábitos, vivendo em um nível de consciência comum que os espiritualistas comparam à letargia ou ao sono. As experiências de pico são despertares súbitos do ego, aberturas imprevistas ao self; têm o caráter de fim em si mesmas e não de meios”(MONBOURQUETTE, Jean – Da autoestima à individuação – Paulinas/ 2008 p.134).

Um dos expoentes em abordar esse aspecto é o cientista Abraham Maslow (3) pioneiro em mostrar interesse pelas experiências de pico quando afirma: “Toda pessoa, em dado momento, realiza uma experiência paroxística (4), ou seja, tem por algum tempo as características que encontrei nas personalidades que estão em processo de autorrealização, [pois] no centro da experiência do pico, a pessoa experimenta um sentimento que se distingue de uma simples percepção [...] cria uma comunhão com o objeto e uma sensação de infinito. [Assim] se estabelece um contato com uma realidade transcendente um amor, uma luz, uma beleza, uma existência e etc”.

PERGUNTA-SE: EXISTE UM PARALELO ENTRE O EGO, A ESTIMA DO SELF, AS ATIVIDADES DA VIDA E A CURA DE DOENÇAS?

No momento em que cada ser humano tem consciência do seu “eu”, o mundo em que esteja inserido e ao seu redor fazem parte dele, embora não necessariamente determine sua vida, mas, positivamente pode transformar seu espaço, pois ele vive a vida sem deixar-se influenciar pelo ambiente em que o rodeia. Esse fator faz a diferença em qualquer pessoa quando possui maturidade em seu psiquismo. Afinal ser dono de si sempre faz emergir o dom da verdadeira liberdade. Observe: “...a liberdade é a ausência de medo e o verdadeiro uso da liberdade é ser o seu próprio ser. Somente seremos nosso ser se não formos outro ser [...] podemos ser somente a pessoa que somos”. (FREEMAN, Laurence, 2009 p.59).

E o mesmo segue:
“...embora seja impossível ser outra pessoa, é bem possível agir como se fôssemos outra pessoa. Agimos como outra pessoa por rejeição ou por projeção. Se conhecemos ou sentimos rejeição é muito provável que a tenhamos interiorizado e perdido a fé naquela parte de nós mesmos que foi (ilusória ou realmente) Rejeitada. Ora, toda espiritualidade madura tem como ponto de partida a meditação, aliás, e esta requer quietude e silêncio interior. “A experiência no coração da meditação confronta este pesadelo normalmente reprimido em nós, e nos desperta para a verdadeira liberdade”.

Se houver o desejo de ser curado das suas sombras, sejam quais forem, é preciso voltar-se ao “self”, pois este “eu” necessita da consciência que sou o que sou e me abandonar-me à força transformadora do self que me induz a uma dimensão espiritual.

Por quê?
“...os esforços voluntariosos do ego são incapazes de resolver a dependência e o trabalho com a sombra”. (MONBOURQUETTE, Jean – Da autoestima à individuação – Paulinas/SP 2008 p.137). E ele segue dando um exemplo claro, quando afirma:

“...os esforços da vontade para superar a dependência do álcool, da droga, do cigarro ou da comida serão inúteis, se a pessoa não se abandonar à força espiritual do self. A filosofia dos Alcoólicos Anônimos sustenta, com razão, que para deter a dependência do álcool, é necessário recorrer a uma força espiritual maior do que o ego. É justamente o abandono ao self que a pessoa consegue libertar-se dessas escravidões”.

Esta é a razão pelo qual se faz importante descobrir e valorizar a meditação, esta, para se direciona para a oração e daí à transcendência. Pois, no momento em que tomo consciência de que é a minha agressividade reprimida, a minha sombra que se reflete no outro preciso integrar essa sombra, mas através do self consciente que é uma força unificadora que tem a capacidade de conciliar minha extrema educação com minha agressividade reprimida. Infelizmente, muitos profissionais da saúde, ainda hoje, prescindem da dimensão espiritual ao tratar as pessoas, ressalvando sempre as exceções, no entanto, é fundamental promover e desenvolver um psiquismo sadio, a fim de edificar uma sadia abertura da pessoa para a sua própria realização.

Finalmente cumpre salientar que a cura das nossas sombras e problemas reprimidos, muitas vezes vividos por um passado nem tão construtivo, é de se supor que da parte dos responsáveis pela formação e educação de crianças e jovens, mas também de adultos que desejam se realizar como pessoas equilibradas e sadias através de um psiquismo harmônico fazem-se necessário de os mesmos terem uma visão holística do que seja a ciência antropológica, pois, sem isso, torna-se difícil, senão impossível orientar pessoas e comunidades para uma sintonia com a pessoa mesma, no relacionamento com os outros, e, principalmente desenvolvendo uma relação com Deus sem fundamentalismos, fanatismos e outras distorções de natureza religiosa, pois quando não são solucionadas as sombras, as pessoas se escondem sob uma fé falsa, como manifestam isso numa conduta de religiosidade doentia.

É bom pensar!
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1- Henri Le Saux – Monge francês que viveu na Índia e favoreceu o diálogo inter-religioso entre hinduísmo e cristianismo
2- Richard Moss – Foi um comediante, ator, diretor e roteirista e apresentador britânico.
3- Abraham Maslow – Psicólogo americano que contribuiu com a teoria humanista e transpessoal.
4- Paroxística – Adjetivo relativo a paroxismo tipo de convulsão ou espasmo agudo. Refere-se ao momento mais intenso de uma dor ou um ataque.
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