UM NOVO SUPORTE PARA A COMPREENSÃO DA REVELAÇÃO: A TEOLOGIA CONTEMPORÂNEA E A FILOSOFIA FENOMENOLÓGI

O mundo hodierno tem se colocado na contramão de toda a teologia tradicional cujo pensamento tem sido baseado a partir da metafísica. O pensamento da pós-modernidade tem colocado não somente a filosofia, mas também a teologia da Revelação numa situação desconfortante ao negar peremptoriamente o paradigma da filosofia tradicional. O cristão nesse contexto necessita redimensionar a metafísica como a transcendência a partir de outro paradigma mais compreensivo para a cultura pós-moderna aferrada à ideologia do Iluminismo com seus reducionismos e que tem dificultado a internalização do Mistério Salvífico. Portanto, é tarefa imprescindível da Teologia Fundamental em responder a este imaginário da cultura contemporânea aferrada nesse racionalismo exacerbado como se o mesmo fosse verdade última. Nessa missão é preciso mostrar que a mesma não está submersa numa transcendência fora da história e sim, dentro da história.

É interessante para o homem e a mulher cristãos da pós-modernidade lançarem mão da própria filosofia, aliás, mostrando que o cristianismo possui uma base racional já na sua raiz. Os primeiros cristãos assumiram categorias gregas exatamente para justificar a fé cristã com o perfil da razão. E nessa ocasião foram acusados de ateus, pois renegavam os deuses dos pagãos ligados aos mitos. Portanto, para a teologia da Revelação é importante frisar que essa ainda tem espaço na cultura contemporânea, pois: “...com a ajuda da fenomenologia se recupera a perspectiva temporal de doação para aproximar-se da Revelação, ou seja, a manifestação do divino na vida dos homens”. (SOLIS, Pablo Antonio Hernandéz – RAMIREZ, Hernandéz Cardona Sdb – Por todos o Por Muchos? Um comentário bíblico em (Mc 14,24 e Mt 26,28)

É interessante perceber no contexto da cultura contemporânea o importante papel da filosofia fenomenológica em ajudar a recuperar a perspectiva histórico-temporal de doação para se aproximar da Revelação, ou seja, a manifestação do divino na vida do ser humano. Por quê? No livro acima citado, os autores procuram fazer uma nova leitura da linguagem da teologia da Revelação quando abordam o discurso teológico fenomenológico, [embora deva ficar claro] mas, tomando a devida distância do positivismo legal dos manuais dedutivos, [e procurando] aproximar a relação como categoria apropriada para entender o contato entre Deus e o homem. Os autores fazem o seguinte comentário: “...com razão, se há informado de que a fenomenologia tem se convertido numa parceira adequada e eficiente da teologia contemporânea”. (Solis- Ramirez – p.9). A fenomenologia tem permitido uma abordagem [interessante] para o entendimento da Revelação, como tem colocado o Concílio Vaticano II, ou seja, (Deus que se dá a si mesmo) e começa a refletir os sacramentos cristãos.

Por outro lado, neste texto posto como apresentação do citado livro aliás, que vale um artigo e uma reflexão muito pertinente para uma análise da teologia e da filosofia em nossos dias. Em outras leituras e pesquisas já havia percebido que Karl Rahner e Von Balthazar, teólogos do século XX, tentaram apresentar uma nova linguagem com outro enfoque para mostrar de que a teologia não se reduzisse apenas em uma conceptualização sobre Deus, no sentido, de que Ele atua com um poder distante da situação concreta do ser humano, e, absolutamente diferente como se fosse uma máquina extraterrena de gerir o mundo.

Ora, o fato é que o “ver” no hoje da história em se abordando a questão da fé exige algo muito mais palpável e, portanto, faz sentido em se tratando do Mistério da Encarnação, pois Deus entra na história humana assumindo a mesma natureza sem prescindir da natureza divina. A esta altura lanço mão do livro “Kyrios” do Bispo e teólogo Dom Boaventura Kloppenburg, ofm, quando na (p.16) nos colocou “o motivo da Encarnação”. É uma citação que o mesmo faz a partir do Catecismo da Igreja Católica no qual traz as quatro razões da inserção de Deus na história humana.

1. O logos se encarnou para salvar-nos reconciliando-nos com Deus. (1 Jo 4,10; 4,14; 3,5)
2. O logos se encarnou para que assim conhecêssemos o amor de Deus (Jo 3,16; 1Jo 4.8.16
3. O logos se encarnou para ser nosso modelo de santidade
4. O logos se encarnou para tornar-nos participantes da natureza divina (2Pd 1,4).

Por outro, o mesmo teólogo nos cita: Santo Irineu (Bispo de Lyon, martirizado em 202, teólogo que declarou: “...pois esta é a razão pela qual o Verbo se fez homem, o Filho de Deus e Filho do homem: para que o homem entrando em comunhão com o Verbo e recebendo assim a filiação divina, se torne filho de Deus”. Outro teólogo foi Santo Atanásio de Alexandria, falecido em 373 que asseverou: “...pois o Filho de Deus se fez homem para nos fazer Deus”. E ainda Santo Tomás de Aquino que afirmou: “...o Filho Unigênito de Deus, querendo-nos participantes de sua divindade, assumiu nossa natureza para que aquele que se fez homem, dos homens fizesse deuses”.
É POSSÍVEL EVANGELIZAR UM MUNDO NO QUAL FILOSOFICAMENTE O PENSAR METAFÍSICO ESTEJA SUPERADO?

O ver de hoje no processo da espiritualidade crística tem nos impulsionado a buscar respostas muito mais adequadas que o simples partir do “Ser” da metafísica escolástica. Na verdade o tipo de metafísica da pós-modernidade pode-se deduzir da própria inserção do Mistério da Encarnação, ou seja, quando o próprio Deus assume nossa natureza. Nisso a filosofia fenomenológica pode ajudar o entendimento deste grande Mistério salvífico para os tempos de hoje. Deus se aproxima do próprio homem assumindo a corporeidade, como bem diz a Escritura, ele, se assemelhou em tudo, menos no pecado, e, quis ser presente junto ao ser humano.

É nítido o esforço de teólogos e filósofos contemporâneos em buscar novo caminho, ou seja, não partindo da metafísica do “ser”, mas do método da filosofia fenomenológica, isto quer dizer, não se trata de esboçar a teologia, mas sim, de uma reflexão fenomenológica. Observe: “...[se] pretende [sim], mostrar como o método fenomenológico pode servir para fazer uma abertura filosófica e, ao mesmo tempo deixando aos teólogos a tarefa de pontuar a atualidade como a viabilidade da presença de Cristo nela.”

Em contrapartida, o método fenomenológico pode indicar a possibilidade dos fenômenos da revelação e cabe à teologia mostrar a realização no contexto da experiência humana. Este é o que realiza a chamada “teologia filosófica” cuja presença ao longo do tempo é inquestionável. Daí infere-se o que muitos pensadores tanto filósofos como teólogos tentam mostrar de que existe uma racionalidade da crença em Deus. Ouça o que eles apontam: “...a teologia filosófica é aquela filosofia que almeja entrar na teologia para contribuir conceitos e reflexões.(ibidem p.10).

Percebe-se que há sim tanto da teologia quanto da filosofia esse esforço para um diálogo mútuo tanto do ponto de vista confessional como de onde se reflete a chamada filosofia continental. Essa é a proposta de Asladiar Mac Intyre quando afirma:
“...a pesquisa filosófica começa por considerar o que seria entender a ordem das coisas corretamente e, assim, mover suas pesquisas para afirmar a existência de Deus. No entanto a pesquisa filosófica encontra um primeiro começo ao considerar como devemos compreender a ordem das coisas à luz da auto revelação de Deus. Então a filosofia e teologia sentem que uma necessita e se complementa com a outra”. (ibidem p.10).

A esta altura deve ficar claro que não se trata da filosofia experimentar Deus, mas indica que crer em Deus não é algo absurdo e sem um fundamento racional. Em outras palavras: A fenomenologia indica que é no humano [com a entrada do Logos na natureza humana] que se expressa a divindade. Portanto crer no divino não é absolutamente coisa de outro mundo, mas a realização de uma potencialidade plenamente humana: a Transcendência na imanência.

Neste contexto se retrata que a condição humana tem a possibilidade de se manifestar em sua carne e sua história. [Mistério da Encarnação]. Tal realidade acontece na medida em que o humano aceita que: “...Deus não é um intruso ou extraterrestre que invade a vida dos homens, mas uma presença relacional e encarnada no mesmo homem”. (ibidem)
Os que defendem essa visão de uma nova maneira de apresentar a fé para a contemporaneidade sabem que a grande tarefa da teologia fundamental no mundo moderno e pós-moderno é se defrontar com o problema da credibilidade que possui duas grandes e importantes vertentes:

1. O testemunho dos que creem, algo muito importante em nosso mundo, ou seja, ser em primeiro lugar um cristão pelo exemplo de vida, e, depois pelo anúncio.
2. E sendo crente com o testemunho acaba mostrando que a base humana da crença indica um ato de fé, aliás, que não destrói, mas aperfeiçoa o homem que universalmente tem em si a possibilidade de receber a Revelação. Em outros termos: Deus é capaz do homem e o homem é capaz de Deus e esta relação se expressa nos contextos históricos e espaciais dos seres humanos.

Finalizando a reflexão desse artigo é bom frisar que a “...fenomenologia aparece hoje como a nova metafísica primeira, ou seja, uma nova maneira de pensar”. É um emergir de um método útil para responder ao processo de evangelização no pensamento contemporâneo como para os cristãos inseridos nesta cultura tenham o suficiente instrumento para confrontar os reducionismos epocais.

“...a figura fenomenológica de Deus entendido como ente que se doa por excelência [...] pode ser traçado o fio condutor da simples doação [...] isso implica que Deus se dá sem restrições, sem reservas, totalmente [...] Deus não se dá parcialmente como um objeto constituído, ao contrário, Deus se dá absolutamente sem a mínima reserva ou sombra, oferecendo-se todo o seu rosto”(op.cit. Marion, Jean Luc – Il visible e il rivelato – Milan – Jac Book, 2007, p.16).

Em contrapartida o teólogo Scannone, Juan Carlos – em seu livro “Fenomenologia y religion” – in Estudios eclesiasticos, 64 - 1989 pp.133-139 já havia levantado a questão de que se a religião é simplesmente objeto de uma fenomenologia regional, ou se é possível descobrir o sentido transcendente primeiro e último que fundamenta toda a religião no sentido geral. Por sua vez, Marion Jean Luc responde afirmando que a fenomenologia da doação é a filosofia primeira enquanto chega à plenitude da doação. Esse critério não se fixa nos fenômenos físicos, mas no fenômeno pleno de intuição como ocorre no fenômeno da revelação. Assim a fenomenologia da religião não seria um âmbito particular, mas o auge da doação. (continua). É bom pensar!
(fonte: POR TODOS O POR MUCHOS? Um comentário bíblico a Marcos 14,24 e Mt 26,28). Hernan Cardoba Ramírez – Pablo Antonio Hernandéz Sólis – Carlos Arboleda Mora Y Luis Alberto Castrillón
Pontificia Universidad Javeriana – Faculdad de Teologia
Editorial Universidad Pontificia Bolivariana – Vigilanda Mineducación
1ª Ed. – abril de 2020