TODA CULTURA SAUDÁVEL É ABERTA E ACOLHEDORA: Se sadia, nunca ameaçará a identidade de ninguém

O quarto capítulo da Encíclica “Fratelli Tutti” desafia a todos os cristãos, especialmente os católicos e homens e mulheres de boa vontade, à uma revisão global dos caminhos que até então se têm palmilhado. E o apelo que a mesma faz, é antes de tudo, ter a humildade e a grandeza em reconhecer que não se está em um paradigma de respeito à dignidade humana, mas se elegeu um imaginário com base no ter, no poder e na ganância. Ora, o pressuposto em relação a essa realidade supõe-se uma postura de conversão de todo o tecido social, para que assim, seja possível vislumbrar algo novo e inclusivo no contexto da Conjuntura Política socioeconômica da atualidade local e/ou mundial.

Pergunta-se: Por quê? Com um olhar mais arguto em relação ao contexto social contemporâneo, é nítido que houve, nos últimos tempos, um retrocesso. Basta perceber a polarização em nível local, como mundial. Todo o contexto retrata um retraimento dos países em relação ao acolhimento das pessoas, ou seja, principalmente quando se trata do fenômeno da migração, aliás, que nos tempos atuais tem sido algo marcante em nível mundial.

Se, por um lado, procura-se compreender tal situação, por outro, fica estampado que há uma ausência de políticas internacionais claras para tratar destas situações complexas. A Encíclica pondera tal realidade, quando afirma: “...o ideal, sem dúvida, é evitar migrações desnecessárias, e, para isso, o caminho é criar reais possibilidades de viver e crescer com dignidade nos países de origem, para que encontrem lá as condições para o próprio desenvolvimento integral”. (FRANCISCO, papa – Fratelli Tutti n.129 p.71 – Ed/Paulus 2020).

E o texto segue:
“...mas, enquanto não houver sérios progressos nessa linha, é nosso dever respeitar o direito que tem todo ser humano de encontrar um lugar em que possa não apenas satisfazer as necessidades básicas dele e de sua família, mas também de realizar-se plenamente como pessoa”.

Caro leitor! O que está sempre em jogo é a pessoa humana independente de etnia, raça, cor, religião e outras diferenças. A final o “rosto humano” sempre retrata o rosto do Criador. Sempre é bom lembrar que em séculos passados, muitos países em situações limites migraram para a América Latina, e outras partes do mundo em busca de uma qualidade de vida melhor. No entanto, hoje, muitos desses países se negam acolher os que também buscam melhores condições de vida. Todo o ser humano tem o direito à cidadania.

Sem dúvida, tal situação é complexa, no entanto a Encíclica apela para a comunidade internacional, quando afirma:
“...as respostas só poderão ser fruto de um trabalho comum, gerando uma legislação global para as migrações. Em todo o caso, há necessidade de “estabelecer projetos de médio e longo prazo que ultrapassem a resposta de emergência; deveriam ajudar realmente à integração dos migrantes nos países de acolhimento e, ao mesmo tempo, favorecer o desenvolvimento dos países de origem com políticas solidárias, mas sem condicionar as ajudas a estratégias e práticas ideologicamente alheias ou contrárias ás culturas dos povos a que se destinam”. (FT, 132).

Portanto, sempre há solução sim, principalmente quando as pessoas, mormente os dirigentes das nações com mais recursos, saiam da zona de conforto para procurar promover o bem comum de todo o gênero humano. É preciso pensar além da própria fronteira de seu país. Na verdade, é uma questão de boa vontade, determinação para fazer do planeta terra um lar a todo o gênero humano com qualidade de vida. Isso não é sonho longínquo, se levado a sério, mas é possível à medida que todos se empenhem em buscar soluções práticas acima de interesses mesquinhos, mas, e, sobretudo, acionando todos os mecanismos e organizações internacionais.

Em contrapartida, com a chegada de pessoas diferentes e olhando o lado positivo dessa presença urge dizer que “...[tudo] transforma-se em um dom, porque “as histórias dos migrantes são histórias também de encontro entre as pessoas e entre culturas: para as comunidades e as sociedades onde chegam são uma oportunidade de enriquecimento e desenvolvimento humano integral de todos”. (op cit Christus, Vivit (ChV), n.94 – in Fratelli Tutti, n.133).

Outro aspecto interessante frisado pela Encíclica é quando foca o lado bonito e edificante desse encontro intercâmbio entre países, pois na prática isso vem a beneficiar a todos.

O que subjaz a isso?
“...um país [..] progride com base em seu substrato cultural original [e isso] é um tesouro para toda a humanidade. [Portanto] “...precisamos fazer crescer a consciência de que, hoje, ou nos salvamos todos ou não se salva ninguém. (FT,137).

E segue o texto:
“...a pobreza, a degradação, os sofrimentos de um lugar da terra são um silencioso terreno fértil de problemas que, finalmente, afetarão todo o planeta. Se nos preocupa o desaparecimento de algumas espécies, deveria afligir-nos o pensamento de que, em qualquer lugar, possam existir pessoas e povo que não desenvolvem o seu potencial e a sua beleza por causa da pobreza ou de outros limites estruturais. E isso acaba por nos empobrecer a todos”.

Daí é que a Encíclica infere a necessidade de uma ordem jurídica de cunho internacional para fazer o devido ajuste no contexto societário local e mundial.

Observe a palavra da Encíclica:
“...precisamos que um ordenamento jurídico, político e econômico mundial “incremente e guie a colaboração internacional para o desenvolvimento solidário de todos os povos”. (FT, 138).

NÃO SE PODE SEPARAR O LOCAL DO GLOBAL SOB O RISCO DE DEFORMAÇÃO E UMA POLARIZAÇÃO NOCIVA.

Acima e, antes de tudo, há a necessidade de se criar um espírito de gratuidade neste processo de redimensionar o contexto mundial. Portanto, em decorrência disso o que deve se implantar paulatinamente é um espírito de gratuidade naquilo que se tem pela frente como tarefa de mudança. Em outras palavras, que aqueles que se propõem caminhar nesta perspectiva não tenham “...preocupação com ganhos ou recompensas pessoais. [Pois] “...isso permite melhor acolher o estrangeiro, mesmo que não traga de imediato benefícios palpáveis. Por quê? “...há países que pretendem receber apenas cientistas ou investidores”.

Ora, nesse contexto não há como avançar na solução dos problemas que aí se encontram, por não haver capacidade de sair de si mesmo. É preciso acima de tudo superar “...os nacionalismos fechados, que em última análise manifestam, a incapacidade de gratuidade, a distorcida concepção de que podem desenvolver-se à margem da ruína dos outros [...] só poderão ter uma cultura sociopolítica [aqueles que] incluam o acolhimento gratuito”.. (FT, 141).

Por isso deve ficar bem claro, segundo a Encíclica que “...quem não vive a gratuidade fraterna transforma a sua existência em um comércio cheio de ansiedade: está sempre medindo aquilo que dá e o que recebe em troca”. (FT, 140). No entanto, o Evangelho é claro a essa respeito: “De graças recebestes, de graça dai”; “Deus “...faz nascer o seu sol sobre maus e bons”. (Mt, 5,45).

UM OLHAR PARA O GLOBAL SEM PERDER DE VISTA O LOCAL

De acordo com a Encíclica é preciso estar atento a uma tensão entre “globalização e localização”. Se por um lado, é preciso lançar o olhar para o global e o universal, por outro, “não se pode perder de vista o que é local, que nos faz caminhar com os pés no chão”. O que na prática isso significa? “...a fraternidade universal e a amizade social dentro de cada sociedade são dois polos inseparáveis e ambos essenciais. Separá-los leva a uma deformação e a uma polarização nociva”. (FT, 142).

Portanto, deve ficar claro que jamais se deve renunciar ao próprio tesouro, pois preciso estar sempre bem enraizado e firme, a final é a partir desse pressuposto que tenho condições de acolher o dom do outro e lhe oferecer algo de autêntico.

Por isso é que “...o próprio bem do mundo requer que cada um proteja e ame a sua própria terra, ao contrário, as consequências do desastre de um país repercutir-se-ão em todo o planeta”. (FT, 143). E aqui a Encíclica faz alusão à propriedade privada quando acrescenta: “...isso se baseia no sentido positivo do direito de propriedade privada: guardo e cultivo algo que possuo, a fim de que possa ser uma contribuição para o bem de todos”.

O alargamento do olhar em reconhecer um bem maior que traz benefícios a todos, no entanto, é necessário “mergulhar as raízes na terra fértil e na história do próprio lugar, que é um dom de Deus”. Em outras palavras a Encíclica afirma: “...trabalha-se no pequeno, no que está próximo, mas com uma perspectiva mais ampla [...] não é a esfera global que aniquila, nem a parte isolada que esteriliza (op cit Evangelium Gaudium (EG) n.235).

A INTEGRAÇÃO CULTURAL, ECONÔMICA E POLÍTICA, PRECISA SER ACOMPANHADA POR UM PROCESSO EDUCATIVO.

É importante destacar e salientar que “...os outros são, constitutivamente necessários para a construção de uma vida plena [...] nenhum povo, nenhuma cultura, nenhum indivíduo podem obter tudo de si mesmos [...] afinal, “o homem é o ser fronteiriço que não tem qualquer fronteira”.

Entretanto, e por outro lado, significa que com o intercâmbio além de ser enriquecedor a todos, é possível fazer com que as particularidades não se diluam na universalidade. Ora, isso com a boa vontade dos líderes das nações, principalmente, da parte dos que se encontram em termos de economia estejam mais estáveis, e, assim, essa situação pode se tornar realidade em vista de um mundo novo.

Sempre é bom observar que: “...nos lugares que conservam tais valores comunitários, as relações de proximidade são marcadas pela gratuidade, solidariedade e reciprocidade, partindo do sentido de um “nós” do bairro”, há mudanças reais e autênticas. Essa mesma realidade deve-se expandir em nível de países, ou seja, superar as visões individualistas e olhando para os outros como concorrentes ou inimigos perigosos. Diz a Encíclica “...talvez tenhamos sido educados nesse medo e nessa desconfiança”. Portanto, caro leitor! É preciso superar tal perspectiva.

Finalmente a Encíclica alerta para o seguinte: “...existem países poderosos e empresas grandes que lucram com esse isolamento e preferem negociar com cada país separadamente. Entretanto, para países pequenos ou pobres, abre-se a possibilidade de alcançar acordos regionais com os seus vizinhos, que lhes permitam negociar em bloco, evitando tornar-se segmentos marginais e dependentes das grandes potências. Hoje, nenhum Estado nacional isolado é capaz de garantir o bem comum da própria população”. (FT, 153).

Caro leitor! O pensamento de Francisco não se trata de ideologia, e, sim, de um olhar no qual mostra um possível futuro para a humanidade em que haja o mínimo para todo o gênero humano. Afinal Deus nos criou e legou a todos o planeta terra, e nisso, somos todos irmãos e necessitamos cuidarmos uns dos outros, sem perder a individualidade de cada um e de cada povo.
É bom pensar!