top of page

TEOLOGIA, TERNURA, COMPAIXÃO E CUIDADO: Concretude existencial de viver a fé na cultura pós-moderna


O título escolhido para este artigo não tem a pretensão de insinuar que no passado a fé cristã não tenha vivenciado as virtudes acima expostas, ao contrário, trata-se de inserir-se num novo contexto cultural em que exige uma linguagem mais em consonância com os novos tempos para a melhor compreensão do Mistério salvífico, e, portanto a mesma necessita se ajustar ao imaginário atual, sem perder de vista a essência da fé cristã, e, assim, o processo de evangelização pode se concretizar nesta cultura marcada pela dessacralização, secularismo, niilismo e vazia. É preciso responder ao grito de sentido de uma sociedade que se perdeu ao fechar-se sobre si prescindindo da transcendência.

Daí infere-se o novo modo de reflexão teológica partindo não mais da metafísica do ser conceitual e sim, da vivência do dia a dia do ser humano. Não se trata de rejeitar a metafísica, mas de outra maneira de fazer metafísica, ou seja, um novo modo de pensar, pois “...metafísica e experiência não se excluem”. Como já havia dito anteriormente no artigo cujo título foi (Um novo suporte para a compreensão da Revelação: A teologia contemporânea e Filosofia fenomenológica). Em se tratando dos sacramentos cristãos pode-se perceber que são manifestações de Deus na vida das pessoas como também é o âmbito aonde a experiência religiosa acontece na corporeidade do ser humano.


“...quando se diz “Deus na vida”, não se trata de uma afirmação bonita e metafórica, mas uma realidade fenomenológica humana, uma característica do ser humano como dado pela divindade”. (op.cit Henry, Michel – L’essence de la manifestacion – Paris: Epinethée, PUF 1963p,17 in Hernandéz Solis, Pablo ; Ramirez, Hernán Cardona,sdb p.13).

Chama a atenção à figura de Michel Henry como filósofo. Ele nasceu em 10 de janeiro 1922. Doutorou-se na Université Lille Nord de França. Foi professor na Sorbonne em Paris, e na Universidade Católica de Louvain. Foi criador de um pensamento filosófico original denominado “Fenomenologia da vida”. Sua tese doutoral foi sobre a “filosofia e fenomenologia do corpo”. Nessa, ele propôs a teoria da subjetividade mais profunda do século XX como protagonizou uma “virada teológica” no seio da fenomenologia. Tem várias obras publicadas, no entanto, dou destaque aos livros: “Encarnação: Uma filosofia da carne” – “Palavras de Cristo” e “Eu sou a Verdade: por uma filosofia do cristianismo”.


Em sua teoria do Mistério da Encarnação ele subverte radicalmente o paradigma cartesiano tal como é entendido pela fenomenologia tradicional. No livro: Eu sou a Verdade: por uma filosofia do cristianismo, é bom frisar nesta obra algo significativo quando aborda a “relação entre fenomenologia e religião”.


Nessa visão e abordagem ele faz uma superação da conceituação metafísica dos sacramentos da linha tradicional para dar lugar a metafísica como ser relacional, ou seja, fica retratado com nitidez que o sacramento não é algo mágico e sim, um projeto que provoca o sujeito que é convocado, ou seja, torna-se a resposta corporal e temporal do sujeito ao chamado a doar-se. Portanto o doar-se é uma categoria central da nova metafísica (um novo pensar). “...a ontologia passa a ser relacional, entendido o ser como relação e não como substância”. (Hernandéz – Ramirez, p.13).


Aqui fica explícito que o princípio filosófico de contemplação plena da realidade não se trata de formulações de sistemas cognitivos de domínio. De acordo com os autores se trata de uma “...recuperação da mística como relação com o divino e que vê o divino como realidade que existe para se manifestar e não como um ser absoluto perdido no empírico”. (ibidem).


A visão que se explicita nesse pensamento de Michel Henry vem à tona o que Raúl Fornet-Bettancourt com muita pertinência fala em seu livro sobre a espiritualidade na atualidade: “...”o que falta”? Para a filosofia e a teologia é justamente [...] o que ambas têm para fazer no contexto real de “nossos tempos da modernidade tardia”, uma pergunta que não se postula desde a experiência da constatação de carências senão, pelo contrário, à luz do horizonte de esperança e confiança na “plenitude” prometida. E por isto é que o sentido desta pergunta excede-se os limites dos interesses do “pensamento pós-metafísico”. (FORNET-BETTANCOURT, Raúl – Filosofia e Espiritualidade em diálogo – Ed. Nova Harmonia – 2018 p.42). E segue;


“...não é a realidade das carências no sistema, mas a esperança na “plenitude” prometida que a filosofia e a teologia deveriam aprender a comunicar hoje a verdadeira origem e sentido de sua pergunta pelo que falta [...] A pergunta: O que falta? é uma pergunta que postulam aqueles que, como São João da Cruz ou Santa Teresa de Ávila, apresentam o único que pode bastar”. (FORNET-BETTANCOURT, Raúl – p.43).


Se de fato a Igreja no hoje da história tem consciência de que a evangelização é uma tarefa mais do que urgente, nesse mundo carente de sentido não há como não juntar o “amor de Deus com o amor ao próximo”, mas numa nova linguagem com parâmetro teológico-filosófico. Por quê?


“...a característica da moral cristã é a síntese perfeita entre o amor de Deus e o amor ao próximo, entre o culto e sua veracidade mediante a vida que honra a Deus Pai, entre conhecimento de Deus e do homem, entre esperança escatológica e empenho pelo mundo presente. Deus revela a si mesmo como Amor, manifestando seu amor pelo homem [...] por seu lado, o homem só pode alcançar o conhecimento existencial de “Deus Amor” à medida que se unir a Deus no seu amor por todos os homens”.(HAERING, Bernhard – Moral e Evangelização hoje – Paulinas p.10).


Daí se infere que a celebração do culto que não produz fruto no amor ao próximo e na justiça pela vida do mundo para o homem contemporâneo não possui valor algum. Desse pressuposto há necessidade de repensar uma evangelização que se encaixa na dimensão concreta da atual cultura. Às vezes percebe-se que determinadas atitudes de cristãos ao evangelizar existe uma preocupação muito mais moralista do que no “Anuncio da Boa Nova”. Como diz Charles Peguy: “...o moralismo impermeabiliza o Espírito”. Essa afirmação não quer dizer a negação da moralidade, mas não deve ser o foco principal no processo de evangelização. Por quê?


“...o homem atual recusa a mensagem de salvação que não demostre eficácia e urgência pela solidariedade do gênero humano e pela promoção do homem como homem [...] uma dogmática caracterizada sobretudo pelo objetivismo fechado à dinâmica da vida já não pode subsistir. E conclui Haering: “...se a Igreja proclama simplesmente a mensagem da alegria do Deus Amor, com toda sua dinâmica orientada para o crescimento do homem, para a justiça e a paz, o apelo moral também é motivado profundamente e se torna atraente”. (ibidem p.11).


O papa Francisco na sua Exortação Apostólica “Evangelii Gaudium”= A alegria do Evangelho é muito feliz quando aborda uma nova maneira de evangelizar nosso mundo atual atolado por dúvidas, conflitos, crises de toda ordem. “...o compromisso evangelizador se move entre as limitações da linguagem e das circunstâncias. Procura comunicar cada vez melhor a verdade do Evangelho num contexto determinado, sem renunciar à verdade do Evangelho; ao bem e à luz que pode dar quando a perfeição não é possível. Um coração missionário está consciente dessas limitações, fazendo-se “fraco com os fracos”[...] e tudo para todos”(1 Cor 9,22). Nunca se fecha nunca se refugia nas próprias seguranças, nunca opta pela rigidez auto defensiva [...] ainda que corra o risco de sujar-se com a lama da estrada”. (EG, 45).


Creio que esta Exortação Apostólica: Evangelii Gaudium seja o texto que vem calhar com a reflexão desta semana. É sugestão de leitura!

17 visualizações0 comentário
bottom of page