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PSICOLOGIA E ESPIRITUALIDADE: ELEMENTOS AGLUTINADORES NA FORMAÇÃO DE UMA PERSONALIDADE MADURA


É significativo frisar nestes tempos conturbados de que modo a atual cultura vive e como está inserida em uma pluralidade de conceitos que são paradoxais quando não contraditórios, aliás, em que na realidade pouco ou nada contribuem para o construto de uma conjuntura política socioeconômica e, muitos menos adicionando elementos positivos a formação do caráter e da personalidade das novas gerações. O tecido social no atual conjunto societário vive em um paradigma de falta de sentido existencial exatamente por estar inserido em um imaginário cultural vazio e niilista.


Entretanto é visível hoje, mais do que nunca no rosto das pessoas a angústia em buscar respostas diante deste contexto pandêmico que tem desnorteado a sociedade local como também mundial. Em contrapartida, é de se frisar ainda mais o abismo grave no atual contexto, significativas lacunas de autênticas lideranças para fornecer um norte, ressalvando sempre as exceções, para agregar e encorajar o grande número de pessoas que nesse momento se sentem desprotegidas e sem rumo.



Para piorar o quadro, a mídia e os meios de comunicação têm tido um comportamento ambíguo, pois em muitas ocasiões publicam notícias desconexas e desencontradas, sempre ressalvando as exceções, o que tem tornado a situação mais difícil. Pergunta-se: como trazer segurança e um porto mais seguro para traçar sentido de vida e saber por onde seguir a tantas pessoas desorientadas e confusas? A angústia e o desânimo de muitos, tem atingido o íntimo das pessoas. É momento de se perguntar: Quem sou eu? Donde vim? Para onde vou?



Partindo deste pressuposto é interessante lançar mão da psicologia que certamente, poderá ajudar a refletir partindo de uma visão antropológica holística, ou seja, ao ver o todo do humano. Por outro lado, em se tratando da psicologia cabe restituir à psicologia sua vocação primeira e integral, ou seja, o estudo da alma humana, como indica sua etimologia psyhé, “alma”, e logos “ciência”.



Infelizmente significativa parte da psicologia moderna ao tratar do tema da “autoestima”, não tem levado em consideração ao cuidado para com a “alma”, ignorando sua contribuição para a formação do ego, privando assim dos recursos espirituais do “self”(1). Entretanto quem dará uma atenção especial para preencher esse vazio da “cultura da alma” é o psicanalista Carl Jung quando este define o “self”, em termos de “imagem de Deus”, em outras palavras, do divino presente em cada pessoa.



Importante é chamar a atenção do leitor que desde filósofo René Descartes, o pai do racionalismo, tem emergido e vigorado a concepção dualista de ser humano como substância pensante unida ao corpo. Ora, o termo “alma” ao longo do tempo em decorrência deste racionalismo acabou perdendo sua densidade e se tornou impopular, principalmente no mundo acadêmico.



Entretanto, e, por outro lado, percebe-se hoje, mais do que nunca, que nos estudos da psicologia existe um renovado interesse pelo “Self” e os estudos são cada vez mais numerosos, pois há certo entusiasmo pela espiritualidade que não deixa de influenciar a pesquisa científica.



Frisa-se a essa altura que uma espiritualidade cristã quando se fundamenta na autoestima e na estima do “self” a mesma proporciona sustentabilidade para uma fé cristã madura assim como oferece uma boa e sensata estrutura para o acolhimento da fé. Por quê? Uma fé que negligencia o cuidado para com a alma e não se alimenta de uma espiritualidade tende a se tornar, pouco a pouco, uma questão sociológica e até mesmo sectária.



Convido o leitor para refletir a questão da espiritualidade a partir de dois grandes psicólogos, mas com visões diferentes quando se trata da dimensão espiritual na dimensão humana. Freud e Jung. O primeiro tem tido uma influência significativa na formação de muitos profissionais da saúde, mormente psicólogos, psiquiatras como psicanalistas. A autoestima, segundo a visão dele, tem pouca chance de se desenvolver quando o ego está muito ocupado em se defender, e nesse aspecto torna-se impossível o crescimento e a expansão da autoestima. Entretanto o que em Freud é mais nocivo à autoestima é justamente a ausência de uma instância espiritual, a qual daria estabilidade e equilíbrio ao ego.



Por outro lado, Jung julgou importante valorizar essa instância para assegurar o equilíbrio entre ego e self, princípio organizador do psiquismo, enquanto Freud concebe um inconsciente ameaçador e desordenado, como um vulcão prestes a explodir e a invadir o ego consciente com forças libidinosas. Ora, Jung vê no self inconsciente um poder central e ordenador da atividade psíquica. Assim, para o fundador da psicanálise, todas as manifestações espirituais, religiosas ou artísticas nada mais são que produtos da simbolização de forças instintivas camufladas. Ora, essa doutrina freudiana redutora da espiritualidade diminui muito as possibilidades da psiqué humana como causa, ainda hoje, um dano imenso à concepção da autoestima e do self.



A tendência atual consiste em associar a autoestima a uma ou outra forma de espiritualidade, afinal tal procedimento tem se mostrado muito promissoras no tratamento das pessoas. Jung é um dos primeiros psicólogos a ressaltar as ligações orgânicas existentes entre psicologia e espiritualidade. Essa conciliação se tornou possível graças à concepção junguiana de “self”, pois ele definiu o self como “imagem de Deus”, e essa visão tornaram-se o ápice de sua psicologia, pois na real faz com que a pessoa se torne “ela mesma”. Certamente há outros pensadores que reforçam essa perspectiva ao tratar o ser humano que possui o domínio sobre seu próprio “eu”.



A IMPORTÂNCIA DO AMOR A SI MESMO E A AUTOCONFIANÇA



É impossível ter uma vida sadia e construtiva sem ter amor para consigo mesmo, e, muito menos favorece ao desenvolvimento de uma espiritualidade crística. Quando Jesus foi interpelado sobre qual o maior dos mandamentos, Jesus disse: “...O primeiro é: Ouve, ó Israel, o Senhor nosso Deus é o único Senhor, e amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda tua alma, com todo teu espírito, e com toda tua força. O segundo é este: ‘Amarás o teu próximo como a ti mesmo’. Não existe outro mandamento maior do que estes. (Mc 12,29-31). (cf. Catecismo da Igreja Católica, n. 2196). Neste sentido fica explícito o que é essencial para ser verdadeiro cristão levando em conta uma espiritualidade a partir de um psiquismo sadio e equilibrado, ou seja, vivenciar o principal mandamento da fé cristã que se resume na máxima cristã: “...amai-vos uns aos outros como eu vos amei” (Jo 13,34). Ora, em primeiro lugar, uma pessoa que queira ser discípulo de Jesus necessariamente se requer que a mesma tenha um amor próprio, embora sempre voltado ao próximo. Observe caro leitor a centralidade do que significa ter consciência de si e de aceitar-se como se é, pois: “...o valor de um ser humano se mede pela sua autoestima”(François Rebelais).



Portanto:


“...apreciar o valor de ser uma pessoa única e insubstituível não consiste em se julgar perfeito ou melhor do que os outros, nem em se comparar com os outros, ou entrar em competição com eles até mesmo para rebaixá-los. Ser consciente da própria unicidade enquanto pessoa é reconhecer o sentimento de inviolabilidade da própria consciência, a segurança tranquila e o orgulho do que se é”. (MONBOURQUETTE, Jean – Da autoestima à individuação – Psicologia e Espiritualidade – Tradução Benôni Lemos – Ed/Paulinas – 2008 p.31).



E o autor segue dizendo:


“...infelizmente algumas pessoas duvidam constantemente do seu próprio valor, considerando-se falsas e indignas de admiração e de amor, marcadas por taras congênitas”.



Ora, uma personalidade que é sadia e equilibrada sabe e tem consciência da necessidade de viver bem o dom da vida, pois “...a afirmação da vida é um ato espiritual pelo qual o ser humano cessa de agir de modo irrefletido e começa a respeitar sua vida para apreciar seu verdadeiro valor” (Albert Schweitzer). Então se pergunta: Em que consiste ter autoestima? “...Aprender a aceitar como partes da minha personalidade todos os aspectos de meu corpo, a diversidade e a influência de minhas emoções, de meus pensamentos, desejos e sonhos, e até mesmo de minhas sombras”(2). (MONBOURQUETTE, 2008, p.32)



Sem margem de dúvida para o desenvolvimento de uma espiritualidade madura, principalmente a cristã, mormente católica requer a reconciliação com as próprias sombras. Acolher minhas sombras significa estar em harmonia com todas as partes do meu ser. Então sim, flui o verdadeiro amor que inicia por uma compaixão para comigo mesmo.



Afinal: “...a pessoa que se ama, em vez de censurar-se por seus erros, de se arrepender no sofrimento e de se humilhar nos insucessos, ouve-se, consola-se, encoraja-se e confia em si mesma, [pois] o amor fiel e constante por si mesmo exerce também um papel determinante no amor ao próximo. Sem amor a si mesmo, o amor aos outros é impossível [...] o amor a si mesmo repousa nas seguintes convicções: tenho segurança de ser amado e amável; sou compassivo comigo mesmo; perdoo meus erros e minhas faltas; sou meu melhor amigo; falo comigo com ternura; encorajo-me nos momentos penosos. (ibidem p.34).



Portanto saber reconhecer as próprias aptidões e os próprios limites como recusar a se comparar com os outros são condições essenciais para a aquisição de uma autoestima correta, na ordem da competência. Outro aspecto a ser frisado no que diz respeito à autoestima é aceitar o nível de sua competência e procurar melhorá-lo, aceitar novos desafios e transformá-los com os erros em informações sobre o que não devo fazer e estar seguro de poder executar os projetos que se tem. Isso significa ter a consciência de ter uma vocação única e de poder desempenhar um papel de co-criador do universo.



Portanto se pode dizer que: “...a autoestima baseada no valor pessoal e a autoestima baseada na competência, ambas são necessárias. Deve-se encontrar um equilíbrio entre elas e harmonizá-las corretamente. (ibidem p.38).





O AMADURECIMENTO PARA UMA ESPIRITUALIDADE CRISTÃ EXIGE A HARMONIZAÇÃO COM AS PRÓPRIAS SOMBRAS



Reintegrar as sombras é essencial ao desenvolvimento de uma sólida autoestima, e, principalmente para cultivar uma profunda e autêntica espiritualidade, principalmente na dimensão da fé cristã, e especialmente a católica. Há ligação entre superar as sombras do meu “self=Eu” com a dimensão da autoestima. Sem esse aspecto torna-se difícil o desenvolvimento de um psiquismo sadio como também se torna impossível viver uma espiritualidade cristã.




É bom frisar quando Carl Jung faz um alerta quando não se trata com consciência as sombras, e, ele ainda lembra as tragédias causadas pelas mesmas no psiquismo humano.


Portanto resta focar ao leitor o seguinte:


“...se não trabalhar a reintegração de sua sombra, a pessoa estará sujeita a problemas psicológicos. Será atormentada por um sentimento difuso de angústia e de insatisfação consigo mesma. Sentir-se-á estressada e deprimida. Deixar-se-á levar por diversas pulsões, como de culpa, de ciúme, de cólera mal gerida, de ressentimentos, de maus procedimentos sexuais, de dependências etc. Entre as mais comuns delas, está o alcoolismo e a toxicomania [...] as substâncias tóxicas não são senão a causa indireta das decadências humanas. (MONBOURQUETTE, 2008 pp.156-157).



Certamente que o primeiro passo para a descoberta da totalidade do ser é reconhecer suas sombras, pois o preço do não reconhecimento é o desenvolvimento do medo e da angústia, aliás, que é uma miséria que o próprio sujeito se esforça por mascarar. Percebe-se hoje, um número significativo de pessoas que se escondem atrás de uma religiosidade que não é autêntica, pois tentam se apegar muito mais a questões exteriores como diversas formalidades, ritos, vestes e outros elementos, embora nem sempre retratem tal disfunção, contudo muitos ainda não se harmonizaram com suas sombras e tentam escondê-las. É preciso ter consciência daquilo que defendem e saber por que defendem. É bom pensar!



(continua)


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1. Self: Instância psíquica superior internalizada no indivíduo. De natureza abstrata, o self é a identidade profunda e espiritual do ser humano e impõe uma direção sutil ao ego. É a “alma habitada pelo divino”, imago Dei, imagem de Deus, segundo expressão de Carl Jung.

2. Sombra: Complexo inconsciente, formado pela parte não educada ou recalcada da pessoa. Forma-se a partir do medo de a pessoa ser rejeitada pelas pessoas significativas de seu meio. Inconsciente, a sombra deseja harmonizar-se com as qualidades conscientes da pessoa, para com elas constituir uma forte autoestima.

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